Ao domingo com... Elisabete Bárbara
Nasci em Odemira há quase 43 anos mas cedo vim para Viseu, cidade em que fiz todo o meu percurso escolar até à entrada, tinha eu 17 anos, na faculdade de Letras, em Coimbra. Sempre quis ser professora, não sei bem se pela minha vontade de ensinar se pela possibilidade de, desta forma, continuar ligada às palavras e ao mundo fantástico da narração, das histórias que, desde muito cedo também, me preenchiam os dias e a imaginação.
Não sei ao certo quando ou como surgiu o meu gosto pela escrita. Sei apenas, e é o bastante, que a leitura e a escrita sempre fizeram parte da minha vida. O mundo das palavras – e daquilo que elas nos permitem criar – sempre me fascinou.
Aos 4 anos já lia e fui uma leitora compulsiva ao longo da infância e da adolescência, seduzida pelas vozes que se faziam ouvir no universo inesgotável do «Era uma vez». Lembro-me de, aos 5 anos, dormir com um manual de Língua Portuguesa, do 3.ºano, debaixo da almofada, oferecido por um vizinho cujos filhos eram um pouco mais velhos do que eu e que, estando mais avançados na escola, já não precisavam dele.
A escrita acompanha este fascínio. Sempre escrevi muito. Cartas, diários, composições, poemas, histórias. Uma amiga falou-me recentemente de um texto que eu escrevi – e do qual tenho apenas uma muito vaga ideia – quando andávamos no 7.º ano. Sim, lembro-me de lhe ter dado um caderno a ler, e das gargalhadas dela, mas já não fazia ideia, se não fosse ela a evocar essa memória, de que nós e alguns dos nossos colegas de turma éramos as personagens principais. Onde andará esse caderninho? Tantas coisas soltas, dispersas.
Escrever faz parte de mim. E gosto mais de escrever do que de ler. Seduz-me o facto de ser conduzida pelas personagens, pela intriga, pelo ambiente, de não conseguir prever o que vai acontecer a seguir. Seduz-me o poder criativo das palavras, gosto de as sentir, experimentar, tirá-las dos lugares habituais e dar-lhes novas configurações e sentidos.
Aos 4 anos já lia e fui uma leitora compulsiva ao longo da infância e da adolescência, seduzida pelas vozes que se faziam ouvir no universo inesgotável do «Era uma vez». Lembro-me de, aos 5 anos, dormir com um manual de Língua Portuguesa, do 3.ºano, debaixo da almofada, oferecido por um vizinho cujos filhos eram um pouco mais velhos do que eu e que, estando mais avançados na escola, já não precisavam dele.
A escrita acompanha este fascínio. Sempre escrevi muito. Cartas, diários, composições, poemas, histórias. Uma amiga falou-me recentemente de um texto que eu escrevi – e do qual tenho apenas uma muito vaga ideia – quando andávamos no 7.º ano. Sim, lembro-me de lhe ter dado um caderno a ler, e das gargalhadas dela, mas já não fazia ideia, se não fosse ela a evocar essa memória, de que nós e alguns dos nossos colegas de turma éramos as personagens principais. Onde andará esse caderninho? Tantas coisas soltas, dispersas.
Escrever faz parte de mim. E gosto mais de escrever do que de ler. Seduz-me o facto de ser conduzida pelas personagens, pela intriga, pelo ambiente, de não conseguir prever o que vai acontecer a seguir. Seduz-me o poder criativo das palavras, gosto de as sentir, experimentar, tirá-las dos lugares habituais e dar-lhes novas configurações e sentidos.
Porquê a Caixa de Hipátia agora? Talvez tenha tido a ver com a necessidade de tornar mais visível a minha paixão pelas palavras e, assim, de a poder partilhar com os outros, com os leitores. A Caixa de Hipátia surge numa altura especial da minha vida, numa fase de muita reflexão e de balanço: o que fiz, o que não fiz, o que gostaria ainda de fazer… A vida não espera por ninguém. Escrevi um texto, no ano passado, para os meus alunos – duas turmas que tive o privilégio de acompanhar ao longo de vários anos e que encheram os meus dias de novidade e ternura – que talvez consiga explicar a motivação que abriu esta pequena caixinha:
Lembro-me perfeitamente de a minha professora da escola primária me dizer que eu seria escritora. Ao longo da minha vida de estudante, muitos foram os professores que me disseram o mesmo. E eu ouvia a repetição dessa sentença sem pensar muito sobre ela, entendia-a apenas como um saboroso reconhecimento público da minha sensibilidade e da minha destreza linguística. Gostava, gostava mesmo, da certeza macia que se aninhava naquelas palavras, percebia nelas o carácter excecional da minha condição predestinada, mas nunca fui além da satisfação que tais considerações elogiosas me concediam. Sempre escrevi muito, é certo, mas de uma forma tão espontânea e intuitiva, quase descuidada de tão imprevisível e tão pouco trabalhada, que sempre me sosseguei com o argumento de que os meus professores se tinham certeiramente enganado e enredado apenas na riqueza adulta do meu vocabulário ou na correção gramatical das minhas frases. Uma escritora teria de ser mais disciplinada, mais meticulosa, mais «profissional». E eu… muitas vezes nem no papel escrevia, bastava-me o caderno inesgotável da imaginação.
Ultimamente, tenho pensado muito nisto. Tenho pensado muito no que fiz, no que não fiz, no que poderia ou gostaria de ter feito, no que valeria a pena ainda fazer ou tentar. Tenho pensado muito na minha professora da escola primária. Escritora. Eu. Tenho pensado muito e pensar demasiado é uma preguiça cansativa. Por isso me multiplico em tarefas para ter o tempo ocupado o tempo todo mas vejo agora que, em todas elas, tento encontrar explicação para o facto de ela se ter enganado. Ou para o facto de eu nunca me ter preocupado com isso até agora. Ou para o facto de eu nunca ter sido outra coisa – e ela desde sempre o ter sabido – e só agora perceber que não é preciso escrever contos ou romances para se ser escritora… do mesmo modo que não é preciso escrever poemas, pelo menos no papel, para se ser poeta.
Quero pensar em cada um de vós como uma página do mesmo livro. Do meu livro. Não escreverei certamente outro tão importante, belo ou decisivo. Tantos anos em vinte páginas. Um livro que enche a biblioteca de toda uma vida. Não sei se a minha professora da escola primária ainda é viva (de repente, tenho imensas saudades dela) mas o livro aqui está.
Agora em relação ao livro, cabe a cada leitor caracterizá-lo. Cada leitor descobrirá o que a caixinha lhe reserva. Penso que é um livro diferente do habitual, pela maneira como brinca com as palavras e pela forma como nele se relacionam referências linguísticas, culturais e intertextuais, mas não vou dizer mais do livro do que aquilo que ele diz de si próprio… Talvez seja para jovens, talvez seja para adultos. Também aqui cada leitor (re)encontrará o seu lugar e há espaço para todos.
Elisabete Bárbara
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