Bom dia e bom domingo.
Cá estamos nós para a nossa conversa de domingo. Ansiosos?
Hoje o nosso convidado é Luís Miguel Raposo, autor do livro "O teu relâmpago na minha paz", editado pela Alfarroba.
À Lareira Com...Luís Miguel Raposo, autor do livro "O Teu relâmpago na minha paz".
Fale-nos de si.
Sou natural de Almada e completei em Novembro quarenta anos. Sou licenciado em gestão de empresas com pós-graduação em marketing internacional. O mar e o surf são paixões já antigas. actualmente, costumo surfar sobretudo na Costa de Caparica, com um grupo fantástico de amigos que receberam muito bem o meu primeiro livro, «marés de inverno», editado em 2009, e aos quais sou devedor de uma sequela. Dois anos depois, foi publicado o «quando morreres vou amar-te», o meu trabalho mais complexo e intimista, e agora, pela Alfarroba Edições, «o teu relâmpago na minha paz». Sou fã de todas as formas de metal mais extremo e de música alternativa, mas o cd que mais vezes ouvi é o «koln concert», do Keith Jarret. Sou muito nostálgico em relação à minha terra e sempre que posso revisito os espaços e os amigos que me são mais queridos. Tenho um irmão, alguns anos mais velho, que vejo menos vezes do que gostaria. Gosto de acordar cedo, mas detesto despertadores. Gosto de escrever em lugares cheios de pessoas, mas irrita-me ser interrompido. Vi o «excalibur» dezassete vezes e li o «stonehenge» oito. Voltei recentemente a morar em Almada.
Lançou recentemente o livro “O teu relâmpago na minha paz”, o que o inspirou a escrever este livro?
A primeira ideia consistiu em expor um indivíduo muito formatado e arrumadinho, dotado de uma visão do mundo em redor dobrada pelos cantos e diminuída face ao todo, à cultura do surf, atirá-lo contra a cultura do surf e vê-lo partir-se em bocados, por assim dizer. Portanto confrontando-o de um modo enxovalhado e conflituoso, contrastando com o seu carácter de estante. Carla surgiu então como a causa para essa exposição. Contudo, à medida que ia escrevendo, assumiu outra dimensão e outro relevo, foi ganhado peso, gravidade, importância e presença que não antevi no início. Chego mesmo por vezes a pensar que «o teu relâmpago na minha paz» é um livro bipolar. Penso-o na medida em que ondula nesta confrontação como uma embarcação num mar nervoso de onde parece não haver retorno seguro. Tem traços comuns aos meus trabalhos anteriores, como a profusão de sentimentos e uma escrita emotiva, mas tem também uma vertente diferente e fresca, muito ritmada, cheia de peripécias, momentos lúdicos, até mesmo absurdos. A história passa-se em Almada, evoluindo entre lugares reais, como, por exemplo, o Covil, o New Cheers, o Acercadanoite. João Pedro, o protagonista, tem uma relação de estante arrumada com Vera, toda a sua vida organizada e um percurso profissional em ascensão. Certo dia conhece Carla e a sua vida começa a desmoronar. Todo o seu tempo é comandado por Carla. Conhece ainda Rita e em todos os seus pensamentos nenhum é capaz de resistir ao apelo de Rita.
A personagem principal deste livro, João Pedro, gosta de tudo arrumado. Revê-se neste personagem?
Uma certa faceta de mim, sim. Não o meu todo. Talvez o meu lado mais racional, sim, não mais do que isso. O João Pedro reduz a realidade, a percepção do que o rodeia e está para lá dos muros da compreensão imediata. Andou anos dissociado do primordial das coisas e das pessoas. Neste aspecto somos diferentes, divorcio-me dele daqui em diante. O meu lado mais emocional e sensorial move-se no extremo oposto.
Dos livros que já publicou, algum deles tem um significado mais especial?
Seria injusto, sobretudo para comigo mesmo, não reconhecer que todos os três têm significados especiais. Se assim não fosse não os teria escrito. De certeza absoluta têm significados diferentes, na medida em que foram escritos em fases diferentes da minha vida, com necessidades diferentes, anseios diferentes, relações e percepções diversas com o meio envolvente e com as pessoas próximas. Todavia, tenho uma relação mais especial com o «marés de inverno». O tema da amizade e das encruzilhadas da vida e das opções que tomamos defronte e que determinam o afastamento entre amigos mais do que qualquer outro obstáculo, o mar e o surf e, claro, o primeiro amor enquanto amor imutável, obsessivo, persistente e inultrapassável são-me raízes na vontade de querer contar histórias.
O que considera ser mais gratificante enquanto escritor?
Poder expor a desconhecidos sentimentos que doutro modo não revelaria sequer ao meu círculo mais estreito de relacionamentos. Poder silenciar os meus gritos interiores, as vozes na minha cabeça, numa folha de papel, sufocá-los com tinta. Ouvir os relatos dos leitores sobre como os meus livros os tocaram, o que pensam deles, da minha escrita, da forma como me expresso, o modo como relacionam certo personagem, certo acontecimento, certo gesto com eventos das suas próprias vidas. O retorno é das coisas mais maravilhosas da literatura. e, finalmente, as pessoas maravilhosas que conheci graças aos meus livros, em particular um vasto grupo de surfistas que certo dia, quando eu chegava ao carro depois de uma sessão matinal de surf, se me dirigiu a perguntar se eu não era o autor do «marés de inverno». Assinei alguns exemplares nesse mesmo dia, mas mais importante fiz novos amigos que ainda hoje fazem parte da minha vida.
E mais frustrante?
Expliquei numa entrevista recente por que não me considero escritor. Não vou forçar aqui a repetição das razões. Será suficiente dizer não me considero escritor. E porém escrevo. E tenho com isso hábitos e necessidades de quem escreve. Frustra-me o embate destes hábitos, o empenho e a dedicação com que escrevo, com a leviandade com que as pessoas que me rodeiam encaram a escrita, como se a produção intelectual fosse uma espécie de ócio deslavado que está no fim da lista das prioridades do quotidiano.
Ainda me frustra a forma como certas pessoas pensam que me conhecem a partir do que escrevo, colocando-me numa espécie de pedestal ou numa ala de vilões conforme o livro que leram e o personagem que escolheram para a associação. Tive já oportunidade de dizer que os meus personagens são muito mais interessantes do que eu.
Dada a distância do meu jeito de escrever para os jeitos mais abundantes, é igualmente frustrante reconhecer o reduzido interesse das grandes editoras por formatos, digamos, alternativos.
Como autor português, sente que são pouco divulgados e lidos?
Não analiso a cena literária, nem pretendo fazê-lo, e não tenho fundamento para ser exacto na resposta. Todavia, o que é evidente e não parece carecer de análise é que os grandes grupos editoriais constroem um ou dois escritor a cada dois ou três anos e investem tudo na sua manutenção durante longos períodos, na maioria dos casos muito mais do que o valor literário da obra produzida parece justificar. Posto isto, é claro que não sobra orçamento para os demais que lutam no lodo por um pedaço de terra seca e onde existe tanto potencial por expor. São opções e o valor literário não está no topo dos critérios. Os leitores lêem o que as editoras querem que leiam. O próprio nome de um dos maiores grupos, o tal de que se diz matou a genuinidade literária e o acesso dos novos autores ao mercado, é bastante exemplificativo... e imperativo, de certo modo, afrontoso. Podes escrever o mais belo livro de sempre, mas ninguém vai lê-lo se as editoras não quiserem.
O que a escrita significa na sua vida?
Não devo nada à escrita nem a escrita deve a mim. Escrevo pelo prazer de escrever. Para aplacar os meus medos e dar estrada aos meus risos para que cheguem a lugares onde possam provocar risos e assim terem continuidade. Sim, choro e rio a escrever. Como escrevo maioritariamente em locais públicos, enfim, já deve haver um bom punhado de gente que duvidou da minha sanidade aqui ou ali. Tenho esperança de um dia vir a encarar de um modo mais sério a escrita, não no meu empenho, na abrangência de potenciais leitores. Não sei ainda porém como fazê-lo sem subverter o que hoje me motiva a escrever.
Indique-nos um dos livros que considera dos melhores livros que já leu, um dos seus preferidos.
Bem, só pode ser o «Stonehenge», do Bernard Cornwell. aconselho a toda a gente.
Tem algum escritor como inspiração?
Não, procuro inspiração na realidade mais simples das coisas e das relações humanas. Vou portanto vasculhar no mundo em redor, nas memórias e nos lugares sensoriais dentro de mim a matéria para escrever. Podem até ser histórias de outros, como, por exemplo, o «quando morreres vou amar-te», que nasceu de uma história imaginada pela Maria José Caiola. Escrevo sobre o que me incomoda e o que me fascina, sobre o que observo e do modo como interpreto o todo que me permeia e permanece em mim a exigir-me palavras que o descrevam.
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Obrigada Luís Miguel Raposo
1 comentário:
Bela entrevista, boas ideias, opiniões interessantes.
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