sexta-feira, 11 de maio de 2012

Entrevista a Célia Loureiro: Os Livros Nossos



Como prometido, vamos então dar início a entrevistas com escritores,
editores e bloggers ou críticos ligados ao mundo da literatura.


     Para iniciar esta rubrica do nosso blogue, começámos por entrevistar a escritora Célia Correia Loureiro, autora do livro "Demência" cuja revisão/crítica tivemos oportunidade de fazer aqui no blogue, após leitura integral da obra.

    "Demência" com a Chancela Alfarroba Edições é um romance que ultrapassa largamente os estereótipos de género literário usualmente associados esta classificação.

Entrevista conduzida por: Isabel Alexandra Almeida – Autora e Coordenadora do Blogue Os Livros Nossos

1)- Célia, com que idade começou a sentir a necessidade de escrever? Alguém especialmente a motivou a escrever?
Nunca houve um momento em que eu me sentasse e dissesse "quero ser escritora", ainda hoje não digo isso. Mas sempre achei que tinha qualquer coisa a dizer, e a liberdade máxima só poderia advir da minha possibilidade de criar o que quisesse. A escrever nunca ninguém me motivou, nem nunca tive uma professora a dizer-me que tinha muito jeito para a escrita nem nada do género. Mas a ler sim, tenho uma prima que me pôs a ler desde cedo e eu vi um mundo de possibilidades abrir-se à minha frente. Sempre preferi um mundo inventado a este e vivo-o através dos livros e da escrita desde cedo. A minha memória mais antiga da "criação" de uma história é de antes da primária, porque só dispunha de uma caneta de feltro preta, que se comprava avulso na papelaria, e com a qual pintava cenários e os sobrepunha, como pequenas histórias povoadas de animais, princesas e bruxas. Teria quê? Quatro anos? Depois, escrever mesmo, só aí aos 12 é que comecei a enveredar por enredos mais complicados.
2)- Além de escritora a Célia é também leitora aficionada e tem um blogue de opinião literária http://castelos-de-letras.blogspot.pt/ - na sua opinião, a que factores se deve a menor apetência de muitos jovens para a leitura?
Eu uma vez li que a informática, ao facilitar o armazenamento de dados, retirou à mente humana essa necessidade. Há uma ou duas gerações atrás, recitavam-se poemas de cor. Hoje em dia saber-se o número de casa de cor é um milagre, acreditamos sempre que haverá qualquer suporte à mão que nos alivie a tarefa de saber as coisas de cor. Além disso, hoje em dia existem mil e uma maneiras de transportar um jovem para outras realidades. A internet, os filmes, as consolas de jogos, etc, etc. No meu tempo, um livro ainda era uma promessa de entretenimento. Hoje é preterido a outras distrações mais aliciantes e que exigem menos dos jovens. Um livro é uma viagem solitária e, por vezes, acidentada. Parece mais tentador - embora menos gratificante - resumi-lo a uma hora e meia de filme com a família.
3)- Quanto tempo demorou a escrita do seu Livro “Demência”?
O Demência foi escrito entre 2009 (Outubro, creio) e Julho de 2011. Demorou este tempo porque fiz uma grande pausa pelo meio. A vontade - e a inspiração - costumavam vir-me em períodos específicos do ano. Geralmente, era sempre depois das férias do verão. Quando regresso à rotina, quando o sol começa a fugir para o hemisfério sul, é quando fico mais atenta, mais sensível ao que se passa em redor e, consequentemente, é quando sou capaz de me expressar melhor. O Demência sofreu várias interrupções e depois foi terminado de um sopro.
4)- No seu livro, a Célia promove a reflexão sobre temas tão importantes como a violência doméstica, a degradação física e psíquica gradual associada ao envelhecimento, o isolamento de algumas populações do interior do País. Como é que a Célia se documentou para retratar com tanto detalhe e realismo o ambiente de uma aldeia?
Quanto ao ambiente de uma aldeia, não tive de fazer pesquisa alguma. Só tive de pegar nas minhas memórias de infância e adaptá-las à gravidade que as situações poderiam adquirir quando se trata de questões mais sérias do que aquelas com que uma criança lida. Eu sempre adorei o campo e sempre fui muito observadora em relação ao seu ambiente. Porque era o absoluto oposto daquilo a que eu estava habituada. Sempre fiquei meio assombrada por ver o modo como o ambiente condiciona crenças, modos de vida, costumes, superstições, o próprio certo e o errado. Sempre lhes invejei a liberdade, também. Aquelas pessoas estão cingidas a um pequeno espaço, que assume assim a dimensão do mundo inteiro, e circulam nele como se circulava quase há séculos atrás. Acho que esse modo de vida é digno de respeito, acarreta outros saberes, outras aptidões, que por aqui se perdem. A tradição do dia das bruxas, por exemplo, é mágica para mim até hoje! A procissão ao cair da noite, as abóboras recortadas e os olhos iluminados pela vela no interior... Para além desta aldeia da minha avó, já passei por outras. Sentar-me ao lado de um velhote, no largo da sua aldeia, é como entreabrir um livro de etnologia, de história, de vida. Guardo boas memórias de muitos velhotes que admirei. Um deles, por exemplo, foi uma senhora algarvia, numa aldeia minúscula, que se sentou ao meu lado no largo. Estava preocupada e perguntei-lhe o que se passava. Ela disse que estava aesquecer-se das coisas. Foi um momento de desabafos angustiantes. Deu uns quantos exemplos de situações do dia-a-dia que estavam a ocorrer. Arranjei um papel e uma caneta na casinha mais próxima e escrevi-lhe o nome da doença da minha bisavó. Dei-lho e pedi-lhe que se se lembrasse dele, o desse ao seu médico no dia seguinte. Alzheimer.
5)- O título “Demência” foi algo provisório que se converteu em definitivo e é anterior ou posterior à finalização da obra?
«Demência» foi a primeira palavra que eu escrevi naquele manuscrito, como título. Fiquei muito feliz quando vi que a sua crítica entendeu que eu me propus a escrever algo que viesse associado ao entendimento popular desta palavra - e não exactamente ao termo científico, embora a Olímpia tenha Alzheimer. A loucura no livro, aquilo que o povo associa a demência, é a visão limitada por uma falsa moralidade da maioria dos aldeões que vivem naquela aldeia.
6)- Considerando o processo criativo literário, a Célia escreve a um ritmo diário ou pontual, aquando de golpes de inspiração?
Não sou uma pessoa disciplinada - em praticamente nada na vida. Recuso-me a fazer fretes. Assumo responsabilidades mas não sou capaz de me obrigar a ser infeliz para as cumprir. E não quero encarar a escrita como um frete. A escrita é uma escapatória, uma salvação, é liberdade absoluta e tem-me feito feliz de inúmeras maneiras. É um autêntico bálsamo para os males do dia-a-dia. Por isso, embora agora ande a escrever com muito mais frequência, não tenho hora marcada. É quando me surge a ideia que me sento a registá-la. Esteja em casa, num transporte público ou, em tempos, na própria sala de aula. É meu direito ausentar-me para dentro de mim, se nada de maior exigir a minha presença.
7)- Sente que ainda existe um pouco a ideia pré-concebida, entre a maioria dos leitores, segundo a qual um autor estrangeiro é melhor do que um autor Português? Em caso afirmativo, a que se deve tal preconceito, e como pensa que se poderá começar a alterar tal visão das coisas?
Lamento dizer que essa ideia existe e eu partilho dela. Mas também, o que é distinguir um autor desta nação de todos os autores de todas as outras nações? É evidente que a maioria ganha. Infelizmente a escrita portuguesa baseia-se, geralmente, nos modelos literários exteriores, que fazem sentido para esses mesmos estrangeiros, mas que depois constituem uma fraca imitação deles para nós. Mas temos bons escritores, não haja dúvida disso.
8)- Que conselho daria a quem deseje começar a aventurar-se pelo mundo da escrita? Por onde deve começar um candidato a escritor?
Acho que tem duas óptimas opções: escreva sobre algo que ele saiba muito bem e preste-se a apresentar isso aos outros, sem grandes ambições de ser grande. Seja do tamanho que é e tente ser o melhor desse tamanho. Ou então escreva sobre algo que ele crie de raiz e que queira igualmente apresentar aos outros. Não pegue em nada só porque lhe parece que é sobre isso que se quer ouvir falar. Crie novos pontos de interesse, dinamize e reclame a atenção dos leitores para algo que só ele possa oferecer.
9)- Já está a escrever o seu próximo livro, qual o género literário da sua próxima obra? Quer levantar um pouco a ponta do véu para os nossos leitores?
Tenho dois romances terminados entretanto e estou a escrever um novo. O primeiro será publicado este ano, se tudo correr como previsto. É um pouco mais cor-de-rosa do que o Demência, mas também é um desvendar de situações negativas. Falo um bocadinho de política (Estado Novo) e de questões sociais como o suicídio, a deficiência e a pedofilia. Mas o tema central é um casamento disfuncional e uma mulher que não nasceu para ser mãe. É graças a essa personagem central que os males se vão desenrolando ao redor. O livro que estou a escrever agora é um romance histórico. Escolhi a época das Invasões Francesas (Napoleónicas é mais fiel à perspectiva política da época) e estou a adorar investigar tudo sobre a altura. Li a Gazeta de Lisboa, jornal de época, consegui que me digitalizassem um capítulo de um diário e mo enviassem da Austrália, sobre uma inglesa que viveu no Portugal dessa época, mergulhei na literatura da época, estudei os costumes e os trajes e etc., assim como políticas e economia e religião e a cada página que avanço na escrita vou também mais a fundo na pesquisa. Estou a adorar estar ausente daqui, por terras do Porto, em 1809
10) – Para finalizarmos esta breve entrevista, o que é para si o acto de criação de uma obra literária?
É um exercício de arquitectura. O psicólogo de desenvolvimento da minha escola aconselhou-me a seguir arquitectura, disse que tinha um óptimo raciocínio espacial. Concordo com a última parte, mas ele falhou num ponto: eu não sei porque é que dois e dois são quatro e geometria descritiva é-me tão indecifrável quanto os antigos hieróglifos egípcios. Mas sinto-me uma arquitecta à mesma. Concebo pessoas, edifícios com estilos artísticos específicos, vou até à complexidade do sentido das histórias de vida, e à subtileza das intenções disfarçadas. O acto de criar um livro é um ensaio vivo de arquitectura, e o suporte é o livro, o esquadro é a imaginação.
Deixamos também o convite para o blogue literátio da autora Célia Loureiro - Blogue Castelos de Letras - de Célia Loureiro

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